Este post é dedicado à minha queridíssima irmã. Embora distante, não por isso menos amada
Também é deste modo que o destino costuma comportar-se conosco, já está mesmo atrás de nós, já estendeu a mão para tocar-nos o ombro.
Esse é mais um caso em que as palavras viram contra o escritor.... O trecho é de “O conto da Ilha Desconhecida”, um dos mais belos e enigmáticos da carreira de José Saramago, um ateu que entendeu a vida filosoficamente, mais do que ninguém, até o seu último suspiro.
O escritor português era um dos maiores nomes da literatura contemporânea, vencedor do prêmio Nobel de Literatura no ano de 1998 e de um prêmio Camões - a mais importante condecoração da língua portuguesa. E, há exatamente sete dias, foi silenciado pelo destino, o único antagonista da vida e do próprio homem.
Dentre as produções mais elaboradas de sua carreira, “Ensaio sobre a Cegueira”, “O evangelho segundo Jesus Cristo”, “Memorial do Convento” e o mais recente “Caim”. Todas permeiam a essência da condição humana, representam o homem diante do dilema mais cruel e doloroso da vida: o existencial.
Mas é em uma das suas histórias mais simples e curtas, na minha humilde opinião de leitora, que o escritor vai mais a fundo na descrição do que todo homem deseja e espera da vida. “O conto da Ilha desconhecida” traz como personagem principal “o homem”, um homem qualquer que empreende uma busca obscura, porém necessária, que reflete a natureza de toda a humanidade.
E, talvez, seja exatamente esse o intuito de Saramago ao não usar nomes para seus seres de papel, referindo-se a eles apenas por alguma de suas características físicas ou psicológicas, na tentativa, talvez, de permitir que o leitor se identifique com eles e possibilitando que cada um de seus personagens pudesse vir a ser a representação de cada um de nós.
“O conto da Ilha desconhecida” é uma crítica justamente à ideia de que os seres humanos nascem fadados a um dado destino previamente definido, se tornando impotentes diante do mundo e se conformando com o que a vida naturalmente lhes proporciona. A narrativa nos impulsiona a buscar o desconhecido, a enfrentar nossas limitações e tomarmos as decisões que possam dar sentidos diferentes a nossa existência, caso sejamos capazes de ultrapassar toda a moral, normas de conduta e pré-conceitos que nos rodeiam.
E vieste aqui para me pedires um barco, Sim, vim aqui para pedir-te um barco, E tu quem és, para que eu to dê, E tu quem és, para que não mo dês, Sou o rei deste reino, e os barcos do reino pertencem-me todos, Mais lhes pertencerás tu a eles do que eles a ti, Que queres dizer, perguntou o rei, inquieto, Que tu, sem eles, és nada, e que eles, sem ti, poderão sempre navegar.
Saramago entendeu em seus 87 anos de vida, que “todo homem é uma ilha”, na medida em que cada ser encerra dentro de si algo de essencial que o torna único e inigualável. O escritor compreendeu também que “é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós”. À revelia do destino, na vida, estamos sujeitos a uma série de embates com o
status quo, com o estado consolidado das coisas. O mérito da existência humana vem da resistência às adversidades.
Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer. Então, sabemos tudo do que foi e será.
porque
Todos sabemos [ou pelo menos deveríamos saber] que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais.
A Ilha Desconhecida que tanto procurava o “homem” do conto de Saramago, na realidade, o tempo todo, estava no interior dele próprio. O desafio maior da personagem era o de dar sentido à própria existência e conseguiu concretizar esse desejo ao enfrentar o seu próprio destino e não sucumbir aos perigos e riscos que poderia sofrer ao mergulhar na aventura de um novo amor.
É preciso variar, se não tivermos cuidado a vida torna-se rapidamente previsível, monótona, uma seca...
E para um sábio homem que concebe a verdade de que “viver sozinho é um duríssimo castigo”. O que está implícito na moral da história do grande escritor português é claramente expresso por outro, não menor, representante das letras brasileiras, João de Guimarães Rosa, que, em "Grande Sertão Veredas", diz: “Só se pode viver perto do outro, e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio, se a gente tiver amor. Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso da loucura”.
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Para ler a íntegra de “O conto da Ilha Desconhecida”,
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