segunda-feira, 11 de junho de 2012

No teu olhar, eu leio

Eu me apaixonei por Amaro no passeio público. Foram cinco anos de romance. Ele vinha do lado oposto ao meu e trocávamos olhares. Belos olhos castanhos claros ele tinha. Combinavam com os meus, cor de mel. Nunca trocamos palavras, apenas olhares. Assim nos conhecemos e nos amamos.

Amaro é o nome que escolhi para ele, porque tinha a ver com seus olhos, Sorríamos, piscávamos, abaixávamos o olhar timidamente e, assim, dizíamos tudo: Eu te vejo e eu te amo!

Era possível perceber quando o olhar estava triste, quando estava radiante, quando havia dúvida... Havia dias que ele me olhava com ternura, em outros, olhava-me com desespero. Houve momentos em que me olhou com raiva, um furor misturado com desejo e paixão. Eu retribuia o olhar!

Ah, aqueles olhos, por alguns segundos em cima dos meus... Apenas o tempo de cruzarmos um o caminho do outro, deixando escapar também nossos cheiros e o rumor de nossos passos.

Dávamos voltas na praça. Todos os dias no mesmo horário. A luz do fim de tarde deixava os olhos dele ainda mais bonitos. Caminhávamos até escurecer. Não houve momento em que nossos olhos se tocassem que meu coração não batesse forte ao ponto de quase sair pela boca. Era um passamento, um frio na barriga, um comichão na pele.

Ele olhava minhas mãos envoltas em luvas, segurando o cabo da sombrinha. Ele olhava a barra da minha saia acabada em renda e que farfalhava na calçada deixando a mostra a pontinha dos delicados sapatos. Outras vezes, ele olhava a cintura apertada no vestido e o peito arfando no espartilho. Oh, Amaro...

Aquele olhar, ah, aqueles olhos, eu os via mesmo de olhos fechados. Eu voltava para casa com o suave toque daquele olhar e sonhava com ele. Nós nos olhávamos!

Mas não apenas a nós mesmos. Também olhávamos o universo ao nosso redor. Vimos mudar as estações, as folhas caírem das árvores, as flores nascerem e murcharem... vimos soprar o vento do progresso. Vimos a paisagem se tornar outra: as ruas foram ficando mais movimentadas, de carros e de gentes; as casas e sobrados foram dando lugar aos pontos de comércio e cortiços... O passeio público não era mais o mesmo. Até que veio a notícia: uma rodovia, uma grande rodovia passaria por aquele local.

Lembro do dia em que trocamos nosso último olhar! Ele veio cabisbaixo... Meus olhos lagrimavam. Diminuímos o passo, quase paramos. Ai, não fosse o quase... Ele me olhou mais demoradamente, um doce olhar. Passamos um pelo outro e viramos nossas cabeças para olharmos por mais alguns segundos.

Hoje, meus olhos não são mais os mesmos. Eles viram muitas coisas e também fecharam-se para outras. Os meus olhos estão envoltos em rugas e pele envelhecida... Ainda vejo o olhar de Amaro quando os fecho para sonhar. Vou-me dessa vida com a certeza de que vi e vivi um verdadeiro amor: coisa rara nesse novo mundo... um mundo táctil, de concreto.

Um comentário:

Jen__@ disse...

Nossa jessica, que texto lindo, me emocionei!!!