quinta-feira, 19 de março de 2009

Uma trajetória de amor ao texto*

Lembro-me de quando ainda mal sabia ler e escrever. Em uma investida curiosa para desvendar os mistérios da Língua Portuguesa, o que mais me chamava atenção na minha infância precoce, mesmo em histórias em quadrinhos e livros com gravuras, eram aqueles sinais gráficos encadeados que formavam linhas retas em perfeitas combinações silábicas. Demorei pouco para, a partir daí, apreciar não somente a palavra como estrutura da escrita, mas também, e principalmente, como um símbolo dotado de sentido, rico em significante e significado, pequena parte de um todo muito mais complexo. Foi dessa descoberta da língua como palavra e da palavra como recurso semântico, sonoro e formal que nasceu a minha relação com o texto, seja como manifestação lingüística, seja como forma de interação cultural ou meio de expressão e comunicação.
Com o tempo aprendi que o texto poderia ser escrito ou oral, construído com palavras ou até mesmo de maneira não-verbal. Meu interesse, então, foi crescendo e, logo, uma simples curiosidade de criança, tornou-se aspiração profissional. Assim, deparei-me com o primeiro grande dilema da minha carreira: a escolha do curso universitário. Sabia que a minha paixão pela língua, a facilidade com a escrita e a admiração pelos grandes escritores me impulsionavam ao curso de Letras, mas a minha vontade de ir além da estrutura lingüística, da forma e do conteúdo e entender o processo de criação do texto enquanto mensagem, compreendida como instrumento de sociabilidade, levou-me a optar pelo curso em que melhor me permitiria estudar os fenômenos de produção e transmissão de sentido: Comunicação Social.
Dessa feita, iniciei meu percurso acadêmico no ano de 2003 como estudante de Comunicação. Encontrei muitas teorias por meio das quais pude estabelecer a relação que buscava no que consiste em estudar o texto como fenômeno sócio-comunicativo, como as Teorias da Comunicação, Teorias da Cultura e do Contemporâneo, Análise do Discurso. Na prática, por meio das disciplinas laboratoriais, pude continuar exercendo a escrita e, assim, desenvolver minha predileção pelo jornalismo impresso e pelas técnicas de construção do discurso textual enquanto produto midiático com finalidade comunicativa. Infelizmente, a grade curricular do curso não me permitiu o contato com as particularidades do texto e da Língua Portuguesa enquanto fenômenos lingüísticos. Ainda assim, os estágios aos quais candidatei-me e ingressei sempre estiveram relacionados com a produção, redação e edição de textos.
Rapidamente, então, vi por encerrados os quatro anos de duração do curso e, em 2007, obtive o título de Bacharel em Comunicação com habilitação em Jornalismo. E, valendo-me do motivo que levou-me a optar pelo curso de Comunicação ao de Letras, minha pesquisa de conclusão de curso se propôs a abordar a maneira como o campo dos media, na contemporaneidade, interfere nas formas de sociabilidade e comunicabilidade, modificando as noções de espaço público e privado, bem como ocupando lugares simbólicos que não são aqueles próprios de sua natureza, na tentativa de oferecer ao sujeito social possibilidades de se fazer subjetivamente representado (e/ou projetado) a partir dos serviços prestados através de seus produtos.
Ao encontrar-me graduada diante dos desafios do mercado de trabalho no campo da Comunicação Social, vieram-me à mente questionamentos acerca de meu papel como profissional. Foi quando percebi o quanto a minha dedicação à técnica me privou da reflexão teórica e me afastou da academia. Estava eu formada, com experiência restrita e exercendo um jornalismo pouco comprometido com a função social de informar, educar e entreter, inerente à comunicação enquanto ciência. Decidi, então, abandonar a segurança da carteira assinada e aventurar-me em novas experiências. Trabalhei como free lancer em diversas assessorias de comunicação, institucionais e empresariais, em agências de relações públicas e até jornais de grande circulação local. Nesse ínterim, estudava para prestar concursos públicos que ofertassem vagas para jornalistas.
O meu desejo em poder exercer minha profissão de modo a fazer jus à função social de informar, educar e entreter, mais do que a de vender, que é a máxima do apelo midiático do século XXI, fez-me optar sem sombra de dúvida pela Comunicação Institucional voltada à divulgação científica e extensão universitária. O fato de estar novamente no ambiente acadêmico, portanto, inspirou-me a buscar aperfeiçoamento científico e qualificação profissional, como uma oportunidade de resgatar minha paixão pelo texto e encarar a face do fenômeno lingüístico a que me privei de estudar ao optar pelo curso de Comunicação. Afinal, a Língua Portuguesa é a matéria-prima dos textos que diariamente minha profissão me requer produzir.

*****
*Meu único e verdadeiro amor ;)

Trechos do memorial descritivo que submeti à aprovação para ingresso em curso de especialização em Língua Portuguesa... Já aproveitando para manifestar aqui um protesto sobre o fato de não haver disciplina voltada para essa questão, nem em caráter instrumental, na maioria das grades curriculares dos cursos de jornalismo das universidades brasileiras.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Sentidos x Matéria

Vivemos num tempo em que os seres humanos são só matéria.

Alguns são apenas rostos, figuras sem expressão, estampas desbotadas, que se não incomodam, não fazem a mínima diferença. Outros, a maioria, são apenas corpos, um composto de tecidos, ossos, músculos... físico, organismo pulsante, de células táteis, matéria concreta, sangüínea, palpável... Às vezes, mas desejável do que necessária.

Nesse tempo em que vagam pelas ruas muitos rostos sem corpo e tantos mais corpos sem rosto, estranho mesmo é ver alguém inteiro, com rosto, corpo, alma e coração. Ser humano, nos dias de hoje, é ser civilizado, é saber viver em sociedade e interagir com metades perdidas, é se sentir sozinho no meio da multidão.

Ser humano, em nossos tempos, é ignorar a desgraça alheia, é se sentir invisível mesmo sob a luz de holofotes, é amargar em silêncio sofrimento, medo e desespero. Não sei se sou mais rosto ou se sou corpo. O fato é que já perdi a minha alma e o meu coração há muito tempo.

Não sou de papel, mas amasso e rasgo com facilidade, me dissolvo quase sempre em lágrimas de crocodilo, pois também me separei da minha verdade. Em matéria, sou humana. Em essência, solidão. Em sentimento, sou só palavras... efêmeras, descartáveis, a maior parte jamais lida.
*****
Filosofia de boteco: Empédocles dizia que na natureza atuavam duas forças, por ele chamadas de amor e de disputa. O que une as coisas é o amor; o que as separa é a disputa.
E mais uma vez, a disputa se repete; a eterna disputa entre a fé e a razão, entre o amor e o poder. Esse discurso já deveria estar obsoleto!!