quarta-feira, 29 de abril de 2009

Deixa eu dizer o que eu penso

Esse post tem trilha sonora (clique aqui)

Eu não sei porque, mas sempre carreguei comigo a certeza de que morrerei cedo, de que não viverei muito a ponto de testemunhar mais uma troca de gerações. Minha existência será breve e sem grandes feitos. Medíocre, em uma definição mais exata.

É uma profecia um tanto quanto mórbida, eu sei... Não tenho mesmo o dom de prever o futuro. Muito pelo contrário, sempre tive um dos pés fincados no passado, junto com a sensação de que eu nasci na época errada. Sou realmente uma romântica incorrigível, infelizmente.

O que eu estou querendo dizer é que não me orgulho de fazer parte dessa geração do século XXI. Me enquadro muito bem na descrição do Renato Russo sobre burgueses sem religião, é verdade, apenas não me identifico com as criaturas inertes que há aos montes, de braços cruzados, fazendo compras ou jogando vídeo games sem se preocupar com os problemas da nação.

Não estou dizendo que eu sou do tipo que sai por aí empunhando bandeiras e berrando em megafones (sem querer desmerecer a militância dos companheiros e companheiras), mas procuro lutar pelas causas em que acredito da maneira que eu posso. Por isso escolhi o jornalismo como profissão, na tentativa de desempenhar uma função social ao assumir um compromisso com o interesse da coletividade e com a difusão da informação.

Essa semana, no entanto, fui acusada de conformismo e de agir como alguém que apenas segue ordens e respeita hierarquias. Essas palavras vieram como um soco no estômago, me tiraram o fôlego. A imagem de alguém assim sempre foi o que eu mais abominei.

A acusação veio porque estou atuando em um ramo da Comunicação que pressupõe a prática de um jornalismo típico de corporações e governos comprometidos com a realidade, mas sempre orientado para o não conflito e a convergência: o jornalismo institucional. Quem trabalha com jornalismo institucional faz críticas sim, mas diretamente às lideranças das organizações, sem publicá-las. E quando as publica é dentro de uma estratégia determinada, com sinal verde daqueles que efetivamente decidem.

Entendo o teor da acusação e admito que sou bastante disciplinada e um tanto quanto acomodada, mas não sou conformista. A questão é que mudaram os tempos e, com isso, também se modificaram as formas de luta.

É fato que dos anos 30 pra cá, a sociedade mudou bastante. Dentre brasileiros mortos, exilados, torturados e presos políticos, salvaram-se uns poucos que, mais tarde, ainda puderam ver seus filhos tirarem as roupas e pintarem as caras em protesto contra um presidente corrupto e inescrupuloso. Conseguiram o impeachment.

Nesse ínterim, porém, popularizaram-se as festas de carnaval, a paixão pelo futebol e os prazeres proporcionados pelas mais diversas práticas de consumo.

Não vivi a censura do Regime Militar no Brasil, não tive a experiência de ter totalmente negado o meu direito de expressão... por isso, apenas posso imaginar as dificuldades que meus colegas de profissão devem ter passado naquela época. Talvez por isso, também, eu não perceba tão facilmente as formas de censura que ainda hoje se manifestam, como observou o meu acusador, embora eu concorde que o conceito de liberdade é muito relativo, principalmente o de expressão e ainda mais no âmbito jornalístico em que, muitas vezes, os compromissos empresariais acabam condicionando determinada conduta editorial, postura política ou acordos com anunciantes em detrimento da qualidade da informação e respeito ao interesse público.

A verdade é que toda a forma de pensamento e expressão atualmente continua, de certa maneira, sendo cerceada, se não pela censura tradicional do Regime Militar, pela censura capitalista de nossos patrões ou por aquela que nos impõe nossos próprios pré-conceitos, visão de mundo, interesses particulares, necessidades materiais, paradigmas internalizados...

Com isso, não estou querendo propor que devemos naturalizar os padrões estabelecidos e simplesmente obedecer as imposições conforme chegam até nós a fim de garantirmos nosso bom emprego sem buscar fazer a diferença na profissão ou na vida e apenas cumprir ordens. Não! Se você está insatisfeito com o que lhe for exigido profissionalmente e tiver a opção de largar tudo para procurar algo melhor, largue, como eu mesma já fiz. Se não, lute com as ferramentas que você tem para, aos poucos, conforme for ganhando espaço e a confiança das pessoas que dependem do seu trabalho, alcançar suas próprias conquistas.

Eu faço jornalismo institucional, sim, mas, acima das picuinhas políticas que rivalizam as categorias de profissionais que ali atuam, tento desempenhar meu papel de maneira ética e com as habilidades que me são possíveis. A censura sempre existirá, mas farei a minha parte e cumprirei minha função social. No mais, de que adianta se rebelar contra tudo e todos, gritar palavras de ordem e permancer de mãos atadas.

É preciso usar a voz, sim, só que na medida certa, com a devida intenção e no momento exato, pois, como diria um outro idealista, "a palavra é mais perigosa que a espada, mais inebriante que o ópio e também pode ser mais libertadora do que se pode imaginar". Portanto, jornalistas bem intencionados de todo o Brasil, uni-vos, e usai a palavra como a ferramenta que lhes cabe usar na luta por seus ideais.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Por onde eu ando

Que o mundo é mau, excludente e dicotômico, todo mundo já sabe. Isso é óbvio! O problema é que o óbvio nem sempre é percebido. Há uma cegueira ética na humanidade, cujos valores mais básicos estão sendo esquecidos ou substituídos pelos ideais da sociedade de consumo.

Eu mesma, neste exato momento, falo sobre desigualdades sociais enquanto desfruto da boa atmosfera do meu quarto e do conforto proporcionado por um roupão bem quentinho e umas sandálias macias (piadinha interna: só ainda não tem o Vaio e o vinho... :p, quem sabe um dia!).

Não quero, com isso, chamar a atenção para a natureza hipócrita e contraditória inerente a todo o ser humano (quem nunca usou máscaras?), mas sim tentar fazer uma reflexão sobre o fato de que a evolução da sociedade é inversamente proporcional ao desenvolvimento de seus valores. Quanto mais civilizado o homem, mais selvagem se torna seu ego.

Por que perder tempo com quem não tem nada a te oferecer? Por que tratar bem quem você nem conhece? Por que dar bom dia no elevador quando você pensa "Poutz, é segunda-feira, 7 da matina, tô de ressaca, tá chovendo, tem uma pilha de trabalho atrasado me esperando e eu ainda tenho que ser simpática com a vizinha fofoqueira"? Estranho mesmo, nos dias de hoje, é encontrar alguém que se comporte de forma diferente disso.

Eu sinceramente até queria levar a vida de forma mais leve e alegre. Às vezes até tento ser gentil. Outro dia estava eu na sala de aula, esperando professor, turma lotada, todo mundo quieto. Em uma inexperiente tentativa de socialização, olho pra colega ao lado e tenho a sensação de reconhecê-la de outros ambientes não estudantis. Apesar de ela parecer ocupada mexendo em seus papéis, arrisco uma palavrinha: "Você é a fulana, não é? Namorada de Cicrano? Lembro de você de tal lugar...". O contato interpessoal morre instantaneamente após o olhar fulminante que ela me dá como quem se pergunta: "Quem é essa inxirida que diz que conhece o meu namorado?". E depois ainda levo uma esculhambação do namorado sob a acusação de ter plantado discórdia no namoro alheio! Banho de água fria...

O fato é que as pessoas do século XXI são pessoas sérias. Isoladas no alto de suas torres de marfim (entende-se aparelhos de MP4, iphones, ipods, notebooks e afins), as únicas gentilezas que conhecem são as palavrinhas mágicas "por favor", "com licença" e "obrigado", que quando ditas saem no piloto automático, e pensam que ao pronunciá-las já praticaram suas cotas diárias de solidariedade e fraternidade... Não precisam se misturar com reles mortais que, apesar de tudo, ainda tentam evitar a apatia.

Há quem me chame de introspectiva, devo admitir, mas acontece que sou produto do meio em que vivo. De tanto ser ignorada, me fechei em mim mesma e aprendi a ignorar também. Não acho isso bonito, só que toda vez que tento agir de forma diferente levo um tapa na cara dos egos selvagens das pessoas sérias.

Por isso, tenho que "evoluir" junto com a sociedade e ser uma pessoa séria. Eu sou séria. Sério! Eu to falando sério... até porque não sei ser engraçada, meu humor é ácido, o dramatismo é meu defeito de fábrica e se alguém me olha feio, fala grosso comigo ou me abandona, eu choro.

O fato é que, eu que sempre critiquei o meio termo e as coisas mornas, agora, me descubro ali, exatamente no ponto intermediário desse mundo feito de extremos. Não sou gentil, mas também não sou apática. Ando por entre as flores e os cogumelos... ora sou a lagarta, ora sou a borboleta, mas na maior parte do tempo, prefiro me manter no meu casulo. Nesse meu mundinho particular, ainda acredito em valores considerados ultrapassados por muita gente, porém, nem sempre faço questão de colocá-los em prática.

*****

E mais uma vez citando um pequeno principezinnho:

"(...)

- Eu conheço um planeta onde há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão contas. E o dia todo repete como tu: 'Eu sou uma pessoa séria! Eu só faço coisas sérias!"' E isso o fez inchar-se de orgulho. Mas ele não é uma pessoa; é um cogumelo!
- Um o quê?
- Um cogumelo!

(...)"

Quem, hoje em dia, cultiva jardins em estruturas de concreto??


*****

Ufa! Que alívio, o romantismo se foi...

:p

Será???

sexta-feira, 17 de abril de 2009

O príncipe e a raposa (Ressignificações)

Como compreender que uma história aparentemente tão ingênua seja comovente para tantas pessoas?

A experiência de mundo pode ser substituída pelo signo. E a Literatura tem como função colocar o signo em movimento com a necessidade de dar forma, sentido e significação à realidade e às coisas da vida.


*****

- Que quer dizer "cativar"? - perguntou o príncipe.
- É algo quase sempre esquecido - disse a raposa.
- Significa "criar laços"...
- Criar laços?

- Exatamente - disse a raposa.
- Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem
mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
- Começo a compreender - disse o pequeno príncipe. - Existe uma flor... eu creio que ela me cativou...
- Nada é perfeito - suspirou a raposa.

Mas a raposa retomou o seu raciocínio.


- Minha vida é monótona. eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens também. E isso me incomoda um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. Os teus me chamarão para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim não vale nada. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourados. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará com que eu me lembre de ti. Eu amarei o barulho do vento no trigo...


A raposa calou-se e observou por muito tempo o príncipe:


- Por favor... cativa-me! - disse ela.

- Eu até gostaria - disse o princepezinho -, mas não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.

- A gente só conhece bem as coisas que cativou - disse a raposa. - Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas como não existem lojas onde vendem amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-me!

- Que é preciso fazer? - perguntou o pequeno príncipe.

- É preciso ser paciente - respondeu a raposa. - Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás um pouco mais perto...


No dia seguinte, o príncipe voltou.


- Teria sido melhor se voltasses à mesma hora - disse a raposa. - Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz! Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar meu coração...


Assim o pequeno príncipe cativou a raposa. Mas quando chegou a hora da partida, a raposa disse:

- Ah! Eu vou chorar.

- A culpa é tua - disse o principezinho. - Eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...

- Quis - disse a raposa.
- Mas tu vais chorar! - disse ele.
- Vou - disse a raposa.

- Então, não terás ganho nada!
- Terei, sim - disse a raposa - por causa da cor do trigo.

(O pequeno príncipe. Antoine de Saint-Exupéry)

*****
Definitivamente perdi o foco!

Essa coisa de estudar Literatura ta me deixando boba e romântica. Mas quem nunca viveu algo parecido com isso um dia?

Vai passar, vai passar.... :p



quarta-feira, 15 de abril de 2009

Déjà vú* (ou Monólogo do meu Eu-Lírico)

ATO FINAL
O início do fim

(Silêncio)

(Ela suspira e liga a máquina. O monitor acende. Ela aperta os olhos para que suas pupilas se adaptem à luz da interface. Mais um suspiro antes de experimentar a familiar e reconfortante sensação de pressionar as teclas do teclado e materializar seus pensamentos e sentimentos em desabafos textuais eletrônicos....)

Eu-lírico:
- A vantagem é que, pelo menos, dá pra economizar o que eu gastaria com a terapia!

Cortinas fechadas: (som do "tec-tec" no teclado)


*****

Esse é o meu momento individual de ver as coisas juntas.

Em uma perspectiva um tanto quanto non sense, cada vez mais acredito que os seres humanos são narradores-personagens de suas próprias histórias, que diariamente constroem suas vidas a partir de um conjunto de expectativas e decepções intercaladas que se materializam e, depois, se manifestam como reação às diversas pressões sociais a que são trivialmente
submetidos.

Isso supõe que a vida cotidiana é atravessada por uma miríade de anônimas cenas teatrais, em que desepenhamos dezenas de ignorados ou inconscientes papéis. Em muitos momentos, acabamos por protagonizar o conflito como antagonistas de nós mesmos e de tudo em que sempre acreditamos, vivendo situações que se cristalizam, como aquelas que são previamente traçadas, reguladas e automatizadas, conforme manda o figurino.

Criamos nossas rotinas, estabelecemos nossos valores, projetamos nossos sonhos e significamos o que nos proporciona prazer e conforto como representação quase que ritualística de nossa forma de pensar e agir no mundo. Não sabemos lidar com imprevistos e relegamos tudo que é contrário ou que ataca a nossa cena cotidiana ao gênero das pequenas tragédias.

O fato é que, à mercê de heróis ou vilões, a vida é mesmo uma grande narrativa, seja ela teatral, literária, cinematográfica e até jornalística. Em alguns momentos é trágica, em outros romântica, quiçá, cômica, mas é narrada, sim, por nós mesmos, embora suscetível a manipulações.

A essência do ser humano é realmente saber atuar em diferentes cenários, procurando identidade nas mais diversas formas de representação e dando vazão a um eu-real que se confunde com um eu-fictício em um ritmo acelerado e cíclico.


Hoje, eu vivo, dramatizo e represento minha própria realidade. S
ou muito mais personae de minha própria existência do que posso admitir.

(Será que fez sentido? Acho que ando perdendo o foco.)

*****

PRIMEIRO ATO
O Recomeço

Cortinas abertas: (Palco escuro. Som do despertador quebra o silêncio)

(Ela abre os olhos e desliga o alarme do relógio, que marca pontualmente 6h15 da manhã. Suspiro, bocejo, suspiro...)

Eu-lírico:
- Mais um dia pra viver! O tempo reporá tudo em seu lugar.

*****

*Déjà vú é usualmente pensado como uma impressão de já ter visto ou experimentado algo antes, que aparentemente está a ser experimentado pela primeira vez.

*****