domingo, 26 de fevereiro de 2012

Queira ou não queira terminou o Carnaval...

"O Marajó é uma coisa fantástica, só você vendo… E depois de ver, é capaz de não acreditar. Você vê, sente, vive o Marajó; Contar é difícil. Adianta?..." 

Carlos Drumond de Andrade escreveu essa crônica em 1981 sem nunca ter ido ao Marajó. Só de ouvir falar! Esteve lá através de relatos por correspondência com uma certa moça paraense e conseguiu recriar a Ilha no seu imaginário.

Imagina, então, se ele tivesse presenciado a cena: o mar misturando-se aos rios, os furos de água cristalina, a revoada dos guarás, o galope dos vaqueiros, os búfalos convivendo pacificamente com os homens, a travessia dos pôpôpôs no lusco fusco do fim de tarde... Cenário de novela. Aí, sim, tenho certeza que não saberia se olhava, bebia ou mergulhava na paisagem!

O Marajó é puro encantamento, uma viagem no tempo, um transbordamento de memórias e emoções. A Ilha transpira histórias da época do descobrimento, das grandes navegações, da colonização e missões.

Do tempo da crônica de Drumond pra cá, Salvaterra cresceu absurdamente. É a cidade mais desenvolvida da Ilha, onde prosperam o comércio e a modernidade. Soure, não. Permanece em ritmo pacato de cidade interiorana, de praias recém descobertas, dos grandes casarões e dos sobrados coloniais que dividem espaço com tendências mais modernistas ao estilo raio-que-o-partaAmbas as cidades foram planejadas como no modelo novaiorquino, com as ruas numeradas, cortadas por travessas sem nome, só números. 

Os cinco dias do Carnaval são pouco para conhecer tudo que as cidades e a Ilha têm a oferecer. É preciso optar entre os blocos de rua em que os mascarados dividem a alegria com as crianças, e, as fazendas que abrigam os jacarés e escondem o suspiro da cobra grande.

Depois de um naufrágio de um navio - que não se sabe se indiano ou francês - no no rio que dá acesso a Soure, impedindo embarcações de grande porte de atracarem diretamente lá, Salvaterra passou à frente em termos de desenvolvimento, mas os resquícios de história permanecem por toda parte: na lembrança dos moradores mais antigos, nas ruínas de Joanes... Não fosse a crônica de Drumond eu poderia jurar que o nome "Joanes" é por causa das joaninhas que, lá, encontram-se aos montes, símbolo de boa sorte, fortuna, fartura e amor verdadeiro.

Os turistas chegam a todo instante, de todos os lugares do Brasil e do mundo, para conhecer a Amazônia na sua forma nativa, o povo marajoara, nem índio, nem negro, nem branco: mestiço, genuinamente caboclo. Enfim, não são raros os casos de gringos que se apaixonam e acabam ficando por lá.

Foi o que aconteceu com o britânico border collie, que adotou a Praia Grande, de Salvaterra. Trazido por um inglês para uma temporada na Ilha, não quis mais saber de outra vida. Primeiramente foi levado a passeio ao ponto mais alto da praia. Depois, começou a ir para o mesmo ponto toda manhã por conta própria. O dono ia buscá-lo no fim do dia e ele voltava relutante até que, certo dia, foi parar lá com um pedaço de sua casinha de madeira e, por opção, fincou ali o seu lar.

Carinhosamente apelidado de turista, o cachorro recebe os visitantes, corre livremente pela areia, banha-se na imensidão do mar-rio e é capaz de ficar horas e horas olhando para o horizonte, ao som das ondas, com o ar sábio de quem escolheu com o coração o lugar para viver. 

O Marajó tem dessas coisas, tem seus mistérios, seus encantos... Para usar as palavras de Drumond: "Eta arquipélago danado, deslumbrando, perturbando a vista miudinha da gente!". E olha que eu vi! 

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Pena que o Carnaval acabou, mas ano que vem tem mais!