domingo, 30 de novembro de 2008

O sistema é bruto

Não espere cortesia. Não espere compreensão. O sistema é bruto, é esquizofrênico, vive de ilusão, de atos falhos, de alucinação, de impulsos. "Tapar sol com a peneira", "jogar a poeira pra debaixo do tapete", "vendar os olhos", "por panos quentes"... medidas paliativas que mascaram a realidade: o sistema é bruto, está falido, não apresenta solução, não admite a crise.

Eu não estou falando de impasses econômicos, da alta do dólar, da usura monetária que se contrapõe aos baixos ou até inexistentes salários. O sistema é bruto porque é desumano, porque faz de todos corruptos e corruptíveis, porque coloca um sorriso na cara, um "está tudo bem" na boca de um dirigente e faz a coisa parecer menos ruim.

Eu posso até ser pessimista, mas o sistema... o sistema é bruto, não conhece caridade, não se alimenta de piedade, não engole dor alheia. Ele estimula, incentiva, instiga a arte do
“laissez-faire, laissez-passer" (Deixar fazer, deixar passar) e isso não apenas considerando a atuação das mãos liberais de nosso mercado, mas também a naturalidade com que nossos governantes incorporam o discurso de que "tudo passa, tudo passará"... principalmente considerando a situação de brasileiros sem casa, sem rumo, sem chão, que flutuam sobre águas, agora, rasas e correntezas ainda lamacentas, que atualmente fazem do sul do País o espetáculo midiático do momento. E o quarto poder é tão eficiente que consegue fazer com que eu, como cidadã brasileira, me sinta culpada e me corroa de compaixão pelos meus irmãos de pátria, me induzindo a tirar do próprio bolso os recursos necessários para reconstruir toda uma unidade federativa.

O sistema é bruto e é ausente, mas a mídia também brutaliza e aliena ao espetacularizar o sofrimento humano e colocar sobre as costas da própria audiência a responsabilidade em reverter a perda, a miséria e a degradação do Estado de Santa Catarina que muito têm a ver com fênomenos naturais, porém, mais ainda decorrem da incompetência do poder público em proporcionar moradia digna, em lugar ambiental e socialmente seguro para sua população.





O povo brasileiro sofre junto, mas não é menos vítima dessa enchente de oportunismo que acomete o País inteiro. Conseqüência de uma enxurrada histórica, que vem de todas as instâncias de poder.

sábado, 22 de novembro de 2008

O jornalismo real

  • Espaço experimental

Após uma caminhada de três quarteirões, sob o risco iminente da mais sofisticada violência urbana, no bairro da Cremação, encontrei a Redação do recém-nascido jornal:

- Olá! Meu nome é Jéssica. Eu vim fazer o teste para a edição.

- Ah! Oi Vanessa. Estava te esperando - diz a chefe de reportagem.

- Não, não. É Jéssica.

- Ah, sim! Claro. Você vai editar o caderno de economia para domingo.

- Ok. Mas é só um teste, certo?

- Bom, querida, é que... A nossa equipe está reduzida e uma de nossas editoras faltou hoje.

- Mas eu nunca editei economia!

- Ah, relaxa! Você consegue. Boa sorte aí, Vanessa. O jornal tem que circular. Dá para encarar, né?!

Antes que meu cérebro pudesse processar uma resposta, ela já tinha me virado as costas.

"Bye, bye Sexta-feira!"

(...)

  • Colegas, colegas. Interesses a parte

Depois daquele "toma que o filho é teu", fiquei ali, olhando para o computador... Como eu iria descascar aquele pepino? Reparei a correria em volta:

- Ééé... hum, ah, alguém? Por favor, alguém pode me ajudar? - indaguei. - Ei, você aí. Eu te conheço, já trabalhamos juntas. Podes me ajudar?

- Ah! Oiiii. Quanto tempo!! Agora não, amiga. Estou ocupada - disse a jornalista em ação.

- Eu te ajudo - ofereceu-se um rapaz.

- Nossa, obrigada! Estou perdida aqui. És jornalista?

- Não. Sou diagramador. Vou te dar umas dicas para adiantar o nosso trabalho. Não tô a fim de ficar aqui até 5h da manhã.

"Que gentil da sua parte!"

(...)

  • Estereótipos

Agora que tinha o queijo e a faca na mão, a coisa estava tomando corpo. A Redação estava agitada:

- Ta quente pra c*ralho aqui! - disse o editor de esporte.

- Não, não, meu querido. Eu diria que está assaz quente. - refutou o colunista de moda.

- Quente é aquela novata ali... - o fotógrafo me apontou pelas costas. - Gostosinha!

- Ah, ela! Ouvi dizer que conseguiu o cargo porque dorme com o diretor. - palpitou a estagiária.

"E eu ainda não tinha sido nem contratada."

(...)

  • Ética jornalística. Quê??? Direitos humanos. Quem???

23h. Metade do trabalho pronto. Até aquele momento, nem tinha reparado que meu estômago urrava de fome... Foi quando a tia dos serviços gerais me amostrou a copa, onde rolava os lanches. Descolei um pão dormido, atolado de manteiga e uma fatia esverdeada de presunto. O diretor aproveitou a galera reunida:

- Pessoal, alguém tem alguma sugestão para a manchete de sábado? - questionou.

Todos permaneceram calados. Estavam mastigando. O relógio marcou 00h30:

- E, então, meus editores? Quem sugere a manchete?

Remexeram-se inquietos em frete às telas de seus computadores. O relógio marcou 01h30 da madrugada:

- Vou perguntar pela última vez: alguém tem a porr* da manchete de sábado? - berrou o diretor.

- Um malandro passou a mão na xox*tinh* de uma criança na periferia da Jaderlândia - propôs o editor de polícia.

- Hum... Pode ser que sirva. Mas vou logo avisando: pro domingo eu vou querer um cadáver fresquinho, pingando sangue... de preferência, morto à punhaladas. Providenciem!

"Como assim? Não foi isso que aprendi na faculdade!"

(...)

  • Fim do expediente

Terminei a minha edição às 02h da matina. Entrei na sala do diretor e entreguei as provas das páginas:

- Espero que esteja tudo ok. Fui pega de surpresa. - justifiquei-me antecipadamente.

- Ah, claro. Vanessa, né?! Depois eu dou uma olhada. - disse jogando meu trabalho em uma pilha de papéis em cima da mesa.

- Na verdade, meu nome é Jéssica e trabalhei hoje em caráter de freela. Com quem posso tratar sobre o pagamento?

Ele soltou uma risadinha:

- A chefe de reportagem vai entrar em contato contigo.

No domingo, minha edição no caderno de economia daquele novo jornal saiu na íntegra. Não recebi créditos e nem dinheiro. Apenas mais algumas horas trabalhadas no currículo.

"Será que fazem alguma diferença?"

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Continuo usando sandálias

Alguns sonhos destruídos, ideais vendidos e romantismos superados mais tarde... eis-me aqui. Uma das poucas paraenses felizardas que pode dizer: jornalista, sim! Desempregada, não! Conquistei meu espaço no funcionalismo público e descobri meu talento no jornalismo institucional. Exatamente, por isso, exerço a profissão, sim, mas continuo usando sandálias. Não apenas por uma questão de estilo e conforto, mas também, e principalmente, pelo desejo que sempre existiu dentro de mim em subverter a ordem, empunhar bandeiras de luta e constestar injustiças sociais. Por favor, não pensem que eu me enquadro no estereótipo do servidor acomodado e desocupado que cumpre carga horária tomando cafezinho e batendo papo nos corredores da instituição, de pernas para o ar. Longe de mim!

Politicagens e pieguices a parte, já tendo revelado meus próprios preconceitos inrrustidos, confesso que acho até muito o blog que criei com o objetivo de não me render à vagabundagem e ao sedentarismo enquanto me encontrava sem emprego e sem esperanças de um dia alcançar o mais alto cargo nas Organizações Globo de Jornalismo, ter resultado em míseros três posts, jamais lidos e jamais comentados. Mas, agora que consegui meu lugar ao sol, achei que deveria voltar-me para o passado e resgatar alguns dos antigos pensamentos que deixei soltos, engavetados e perdidos no mundo virtual.

A idéia original do blog não foi ruim. Minha proposta era a de apresentar aqui um jornalismo ou questões referentes ao fazer jornalístico com um outro olhar, a saber um olhar desinteressado, mas nem por isso acrítico, acerca da realidade da profissão e a relação desta com a sociedade, além, é claro, de ocupar minha mente com alguma atividade produtiva e racional, que me obrigasse a não me habituar aos inegáveis prazeres do ócio, pois, como todos sabem, "mente vazia é oficina do diabo".

De volta ao mercado de trabalho e, melhor ainda, ao ambiente acadêmico, arregaço as mangas e me proponho a retomar a iniciativa, já partindo da reflexão sobre como os valores pós-modernos interferem nos diferentes espaços em que a Comunicação atua atualmente. O tema prioriza o que estamos vivendo hoje. Antes, a Comunicação ficava restrita a uma folha de jornal, a uma freqüência de rádio ou a uma tela de TV, e pronto. Agora, com o advento do computador e a expansão da internet, isso muda. Cada vez mais, os métodos utilizados pra comunicar são inúmeros: celular, msn, orkut, blogs...

Daí, vem a revolucionária conclusão: a produção de conteúdos através da web é a salvação de gentes alternativas e desocupadas como eu, que insistem em usar sandálias no dia-a-dia das repartições públicas e que tem na arte de escrever a sua única e verdadeira paixão na vida. Sim, sou funcionária pública. Sim, sou jornalista. Mas, principalmente, SIM, sou cidadã do século XXI e me beneficio dos avanços do meu tempo para usar das novas formas de comunicar que a tecnologia me oferece. Hoje, minhas atitudes são medidas em bytes; minhas palavras se decodificam no formato on line; meus pensamentos são instântaneos e informatizados; e minha memória é totalmente virtual. De real mesmo, neste momento, só as minhas sandálias e o meu imenso tempo livre.