sábado, 27 de dezembro de 2008

Outro mundo é possível?

Em 2009, os olhos de todo o planeta se voltam para a Amazônia. De 27 de janeiro a 01 de fevereiro do ano vindouro, Belém vai sediar as atividades do Fórum Social Mundial, maior encontro de movimentos sociais do mundo. As expectativas da iminência de um novo ano, nesse momento, somam-se, então, às de vivência do evento, que se propõe como espaço aberto, plural, diversificado, não-governamental e não-partidário de encontro, que estimula de forma descentralizada o debate, a reflexão, a formulação de propostas, a troca de experiências e a articulação entre organizações e movimentos engajados, do nível local ao internacional, pela construção de um outro mundo, mais solidário, democrático e justo.
A cidade se prepara para receber cerca de 100 mil pessoas entre ativistas e intelectuais. Porém, apesar da mobilização por parte do Governo do Estado, que injetou investimentos de mais de R$ 368 milhões em infra-estrutura, pouca coisa já mudou na Metrópole da Amazônia. Estranho é pensar que, após anos de miséria, falta de saneamento básico e segurança, as populações que vivem nos bairros do Guamá e Terra Firme, localidades onde se encontram as instituições que sediarão as principais atividades do evento, hoje vêem ao seu redor algumas obras que as beneficiem apenas em função da esperada presença de turistas e autoridades estrangeiras em obrigatória circulação pela perefiria de Belém para poderem chegar aos campi da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).
Que imagem fariam os turistas a respeito de nossa cidade se, para chegar às principais instituições de referência científica de Belém, fosse necessário atravessar um caminho de lixo a céu aberto, pobreza e violência? Quem sabe, se o Governo não estivesse correndo contra o tempo para "maquiar" a realidade das avenidas Perimetral e Barão de Igarapé Miri (únicas vias de acesso terrestre a UFRA e UFPA) com os milagrosos 368 milhões, surgidos sabe-se lá de onde, as discussões sobre o questionamento "Um outro mundo é possível?" poderiam se fazer mais acaloradas.
O fato é que todo fim de ano cria uma atmosfera de esperança, um clima em que as pessoas costumam sonhar e crer em milagres e realizações. Assim como as famílias do Guamá e Terra Firme podem depositar suas esperanças em obras paliativas para a melhoria de sua qualidade de vida, também nós, comunidade acadêmica e bem instruída, podemos nos voluntariar a fazer parte desse momento histórico para a nossa cidade e acreditar que toda a discussão proposta durante o evento não cairá no vazio de discursos carregados em altruísmo e valor humano, que apresentam todas as soluções necessárias para mudar a realidade, mas que se perdem quando encontram o primeiro obstáculo na inércia das autoridades e falta de atitudes de nosso sistema. Talvez, o segredo seja não se deixar impressionar e calar por histórias de pessoas que gritaram e agiram como puderam em função de ideais grandiosos, como os muitos Chicos e Dorotys anônimos que morreram sozinhos nas florestas da região.
Antes de nos desanimarmos quanto a complexidade de nos questionarmos se um outro mundo realmente é possível diante da inaptidão de nossos governantes em se comprometerem com a necessidade do povo em detrimento de interesses particulares e de lembrarmos de uma Amazônia que sofre não apenas com as conseqüências da ação maléfica do homem para com a natureza, mas também com uma violência que transcende os crimes ambientais e humanos para agredir ideologias e diminuir culturas de ribeirinhos, indígenas e povos tradicionais , sobreponhamos nosso otimismo ao realismo e torçamos para que o Fórum Social Mundial, ao passar pela Amazônia, deixe muito mais do que capital estrangeiro em nosso mercado, mas também idéias que resultem em ações e que nos tirem da passividade de espectadores para nos tornarem partícipes e construtores desse novo mundo.

2 comentários:

Repórter de Sandálias disse...

Só para complementar, uma amiga me enviou essa frase por e-mail e acho que tem tudo a ver:

"Acredito nas oportunidades de ação social significativa e de política transformadora, sem necessariamente derivar para as corredeiras fatais de utopias absolutas"

(Manuel Castells).

Interferência disse...

"sobreponhamos nosso otimismo ao realismo e torçamos para que o Fórum Social Mundial, ao passar pela Amazônia, deixe muito mais do que capital estrangeiro em nosso mercado, mas também idéias que resultem em ações e que nos tirem da passividade de espectadores para nos tornarem partícipes e construtores desse novo mundo.
"

Bonito. De Coração.