terça-feira, 22 de setembro de 2009

Vai dar samba

Eu gosto de arroz quentinho. Sorvete é a minha sobremesa preferida. E o que me atrai em alguém é a inteligência. Essas são algumas coisas sobre mim que pouca gente sabe. Sempre tive dificuldade de me mostrar, de falar de mim mesma ou de ser parecida com outras garotas da minha idade.
Lembro que quando eu tinha entre uns 12 e 15 anos, enquanto minha irmã ia shopping com as amigas e minhas primas assistiam Malhação, eu ia visitar o meu avô. Cabelos ralos e brancos, o couro cabeludo à vista. Magro, sorriso carinhoso, voz mansa... me chamava de "Jessinha".

Eu ia vê-lo no fim da tarde. Bastava atravessar a rua. Ele sempre estava em casa, deitado na rede atada em frente à TV. Gostava de novelas. Essa deve ser uma das delícias da velhice: o imenso tempo livre, que ele preenchia também com passeios na calçada do Bosque, boa música e boa literatura.

Era quase um ritual. Meu avô me perguntava sobre a escola, em seguida me mostrava seus livros e seus discos. Ele me apresentou a Divina Comédia, de Dante Alighieri, e me fez ouvir com um pouco mais de simpatia as música de um rei pré-fabricado. Guardava a coleção do Roberto Carlos como uma relíquia. Até hoje me lembro dos vinis empilhados, cada um no seu respectivo saquinho plástico, próximo ao toca-discos. Isso mesmo, um toca-discos!

É claro que, como qualquer adolescente, também vivi a fase em que dancei É o tchan em frente ao espelho, fui ao show do Netinho e comprei CDs dos Hanson, Spice Girls e Backstreet Boys (todo mundo tem um passado negro), mas graças às visitas que fiz ao meu vôzinho, desenvolvi o gosto pela leitura e descobri que era possível diferenciar a boa música daquela que ouvia só por diversão.

Meu avô foi um comerciante de mão cheia, ao modelo dos antigos caixeiros viajantes. Não fez faculdade, mas foi o homem mais culto que eu já conheci. Até hoje me lembro dele quando ouço Roberto Carlos ou então Chico Buarque, Elis Regina, João Gilberto, Vinícius de Moraes, Noel Rosa, Tom Jobim...



Por esses dias, veio parar em minhas mãos um DVD do Gonzaguinha. Preciosidade da música popular brasileira. Pura poesia musicada, em ritmo de samba, encontrado escondidinho entre o tecnobrega, o funk e o sertanejo, a R$ 2,50, na banca de piratas do terminal rodoviário da UFPA. Ouvi e me lembrei daquelas tardes que passava com meu avô.

Bons tempos aqueles! Não falo do tempo da minha adolescência: fase complicada para uma criatura mal ajustada como eu... Falo, sim, dos tempos da bossa nova, do samba canção, do ie ie ie e da jovem guarda, que me fazem sentir saudade de uma época que eu nunca vivi. A música é velha, o estilo antigo e a composição um tanto quanto ultrapassada, mas a mensagem permanece atual e a melodia agradável aos ouvidos, à alma e ao coração.



*****

Eu estava sozinha em casa, em uma daquelas tardes, quando, no número 5 da rua em frente, meu avô morreu. Parada cardíaca. Encontrei ele na rede, um livro no colo. No toca-discos, Gonzaguina cantava "É a vida, é bonita e é bonita...".

Vô, esse samba é pro senhor!

Saudade ;)


Para ouvir outras músicas inesquecíveis, clique aqui. Alguma dessas já marcou momentos de sua vida? Me conta!

12 comentários:

Interferência disse...

Belo texto! Seu avô realmente tinha bom gosto. Bom lembrar de quem nos apresentou a alguns artistas que até hoje nos marcam... o que me leva à pergunta: Netinho?! Quem te levou? :P

Manoel Neto disse...

Não encontrei na lista "A Rosa" do pinxiguinha, versão cantada pelo Francisco Petrônio (meu pai adorava).
Toda vez que ouço me lembro dele.

Bjs

Íris Jatene disse...

Nossa! Eu passei esta última semana com "Trem das Onze" na cabeça... Bem, das músicas mais antigas que marcam minhas lembranças, "O ébrio" de Vicente Celestino tem um sabor especial... Um sabor não de álcool, como o título pode supor (rs), mas sim de gostosas risadas, gargalhadas de doer a barriga e tirar o ar, que meu irmão e eu (quando ainda nem sabíamos ler) dávamos ao ouvir os versos introdutórios... Ele contava uma história triste e, em seguida, começava a cantar "Tornei-me um ébrio e na bebida busco esquecer / Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou..." Hoje em dia, não entendo qual era a graça, mas o sorriso provocado pela lembrança do Rômulo, a mamãe e eu no carro. "Coloca a fita do bêbado!!!" (um dos primeiros sinônimos que aprendi na vida...)

Jen_@_ disse...

bom como tu, muitas dessas músicas me lembram o vovo... pq eu tb ia visitar ee e não ficava no shopping não...hahahah... para de me difamar... saudades infinitas do vovo... mas a mísica "O mar serenou" me faz lembrar momntos bons... tardes de belém no bond voltando pra casa... da uma certa paz e até sinto o cheiro dai qnd escuto... =]

Prima Su disse...

Sempre tive a impressão que minha vida dava uma trilha sonora; uma vez até comentei que o meu inconsciente se comunicava comigo através de músicas... Por isso, é díficil indicar uma só, mas o farei.

Tá, duas, vai! :)

Pra mim, nunca pode faltar Novos Baianos. Então, indico "Eu sou o caso deles", uma ode às cagadas familiares, parece que foi feita pra mim! Música boa de elevar a alma...

E depois, indico outra que não é exatamente um clássico da boa música brasileira, mas sempre penso muito em você e em "Las Primas" quando a escuto:

http://www.youtube.com/watch?v=tTix6iC8uqU&feature=related

Beijos azuis, querida!

Ah, minha sobremesa preferida também é sorvete. E eu adoro arroz quentinho, de preferência sem bichinho e com tempêro... (piada nossa rsrsrs)

Rebeka Alves disse...

É...sem comentários...só lágrimas..não conheci o vô de vcs mas este texto lembrou de todos os que amo e que não estão mais aqui, belas lembranças sempre são válidas!

Anônimo disse...

A minha história:

Qual dessas músicas marcou a minha vida? Todas elas, cada uma no seu tempo. Para contar minha história de música e saudade também vou lembrar do meu avô que também não está mais por aqui.

Seu Vicente, como era conhecido, era músico autodidata. Conquistou a minha avó tocando violão e depois de casado resolveu aprender outros instrumentos: primeiro cavaquinho e depois bandolim - por quem ficou irremediavelmente apaixonado.

Filha de uma mãe moderna para o início dos anos 80, divorciada e que trabalhava fora, passei minha infância e início da adolescência na casa da minha avó. Lá, eu acordava ouvindo chorinho e era possível trocar o café da manhã por refrigerante rsrsrsrsrsrs

Sim, meu avó tocava chorinho "de ouvido" e só sossegava quando estava tocando exatamente igual ao original, em vinil, claro! Compôs algumas coisas, que não nunca gravamos por achar que ele não morreria tão cedo. Coisa bonita de lembrar era ele tocando, no batente da casa e minha avó cantando, enquanto estava na máquina de costura.

Fui criada num berço de MPB. Por isso, aos nove anos, meus cantores favoritos eram Simone e Milton Nascimento. Na verdade, eu sonhava em vê-los casados. Depois entendi que isso não seria possível. Nessa idade, assisti show dos dois no Ginásio de Educação Física, ainda não tinha Parafolia.

Mais tarde reneguei a família e ouvi todas as bobagens a que tinha direito. Mas, graças a Deus, não perdi o ouvido...

De herança, o Vicente deixou lições de caráter e honradez, além da paixão pela música. Em casa, uns tocam, outros cantam...e os desafinados, como eu, apreciam e cantam no chuveiro.

Adorei voltar no tempo...

Bjs,Rosyane

PS: eu gosto de praia - cheiro de maresia, areia branquinha e sol morninho batendo na pele; também gosto de cafuné, mais do que tudo isso só uma boa conversa com gente inteligente e bem-humorada. Adoro quem me faz rir. Mas isso já é outra história...

Prima Su (de novo) disse...

E esse blog? Que tá virando uma caixinha de boas lembranças...?

Também quero registrar a minha.

Minha avó não foi nenhuma referência de boas músicas ou clássicos da MPB; aliás, gostava mesmo era de uma coisa bem brega, tipo cantores "Rei das Multidões". Mas sabia cantar (ou achava que sabia!), como ninguém, só o finalzinho de todos os versos das músicas...

Assim, cantava todas as músicas do mundo, minha super-vovó!

Haja saudade...

Feiosa disse...

As coisas, pra mim, sempre acontecem/passam tão rápido... Às vezes, aqueles momentos que deveriam - ou não - durar uma eternidade não ultrapassam míseros10 segundos. O contrário também é verdadeiro, acredite. Deve ser o idiota do Murphy. Seguindo esta lógica, até as músicas parece que se encaixam/conectam/desconectam a cada conversa ou a cada simples gesto. Sei lá, parece que dá pra fazer uma colcha de retalhos com vários trechos de músicas que representam apenas uma tarde que eu deveria lembrar. O problema é que a minha memória não é das melhores, mas vou citar uma que também lembra o meu avô: Emoções - Roberto Carlos. Ele sempre conseguia reunir os netos e cantar o finalzinho da música "Se chorei ou se sorri / O importante é que emoções / Eu vivi". E sabe por quê esse trecho em especial?! A gente chama ele de Vovô Vivi. Até hoje. E ele adora. =)

Bjs.

Repórter de Sandálias disse...

Pior q agora as lembranças estão soltas mesmo: acabei de lembrar q o vovô também me levava pra passear na Praça Batista Campos toda sexta-feira quando eu era criança... Íamos eu, ele e minha irmã. Comprávamos pipocas e ficávamos passeando de laguinho em laguinho pra jogar pros peixinhos comerem, rsrrs. Ele também nos levava no museu e comprava balões de gás pra gente... Mas não lembro da trilha sonora desses momentos :/
E da vovó, Sú, lembro q ela gostava muito de Zezé de Carmago e Luciano ou então daquelas músicas q os tios cantavam nas serenatas de Salinas e Marudá =]

Rosyane disse...

Aproveitando a caixa de lembranças aberta aqui vão + três:
1. Clássico de fim de festa na casa da Vovó, chama Ciclone, não sei o cantor. "Ela se enamorou de outro rapaz, foi quando um ciclone atingiu nosso destino". O cara foi trocado, mas via assitir o casamento só pra fazer onda hahahahahahahaha
2. Festival de sertanejo em dezembro. A mulherada de casa,deitadas na cama e cantando todas. Delícia!
3. Minha avó, mais uma vez costurando, cantando baixinho Nervos de Aço. Lindo de morrer.

Tá bom ou vou começar a chorar e hoje é 6a feira, o melhor dia da semana! Bjks

roger disse...

Muito bom, um belissimo texto, estás me estimulando a voltar a escrever... um bjo!