domingo, 21 de fevereiro de 2010

Esse rio é minha rua

Dizem que às seis horas da tarde os rios da Amazônia não pertencem a ninguém, a nenhuma criatura humana. É nesse horário que a natureza toma conta das águas e liberta os encantados. Como que, ainda hoje, a cultura amazônica pode ser tão povoada por narrativas míticas e de cunho fantástico?

Em um ritmo alheio ao de qualquer grande cidade, a Ilha do Marajó é um paraíso verde, banhado por ondas insalubres, da cor de terra molhada. Lá, a subsitência provém da natureza, do que permite o clima, da consistência do leite de búfala, que depende da quantidade de chuvas que cai e da cheia dos rios, que fazem render o capim, as mangas, os peixes, os tucumãs...

Até o
boto acompanha os pescadores somente na hora da chuva, ele vai mostrando o caminho, como se fosse o momento em que o céu abençoasse as águas. Mas quando o barco é forasteiro, ele brinca, engana, trapaceia, mete medo... Cinco dias na ilha, cinco dias em que fiquei com os olhos atentos para ver nem que fosse de relance essa criatura tão cercada de significados.


Mesmo sendo amazônida, eu compreendo porque, talvez, o boto me tenha visto como estrangeira naquelas terras marajoaras. Sou gente de zona urbana, da turma que chega fazendo barulho e mudando a paisagem.

Ainda que saiba admirar as belezas do lugar, não pertenço a ele, meus costumes são outros, meus valores não são os mesmos do povo de lá. Se para mim o rio é rua, para o marajoara é o peito, é a alma, é essência de vida e fé. Quisera eu merecer, um dia, desvendar os encantos dessa maré.

Esse post tem trilha sonora, clique aqui.


3 comentários:

Ed Santos disse...

Penso que a Amazônia sempre vi ser um lugar mítico pra todo mundo, não importa o quão próximo ou distante estejamos dela.
Já esses botos são animais bem espertos! Nas noites de lua cheia se transformam em homens para seduzir as mulheres ribeirinhas.
:)

Thiago Batista disse...

Ah, obrigado pelo comentário!
devo fazer um elogio também, adimiro a tua narrativa, a facilidade que tens para escrever, simples e clara.
E, uma pergunta, tu escreves texto pra Assessoria de Comunicação da Ufpa?Vi uns textos por lá, com o nome "Jéssica Souza".

Bjs!

Repórter de Sandálias disse...

Aahhh, devo dizer que dois meses depois dessa viagem tive a sorte de ver três botos de uma única vez, em um rio de Bragança: o Rio Caeté. Eles estava em fila, eram botos preto. Lindosss. Eu vi de relance enquanto passava por cima da ponte de veículos que corta o rio. É uma cena mágica....